Por Profa. Edileuza Alves Silva
O mundo está imerso em uma crise climática de proporções sem precedentes. Ondas de calor extremo, inundações, secas, tempestades, perdas de moradia, aumento de conflitos por recursos naturais, redução e falta de alimentos e de água potável, são fenômenos característicos de uma emergência. Isto significa, segundo pesquisadores, que estamos diante do maior desafio da história planetária.
A crise climática é hoje, a maior preocupação da humanidade. De acordo com a maior pesquisa ambiental da história, realizada pelo Programa das Nações unidas (PNUD) em junho de 2024 p, 80% da população mundial reconheceram a gravidade do problema ambiental e reivindicaram a adoção de medidas mais incisivas para salvar a Terra. 86% exigiram que seus países deixem de lado as diferenças geopolíticas e trabalhem em conjunto com outros para enfrentar o fenômeno.
Entretanto, para nossa desgraça, a tese de Raul Seixas em 1974, continua atual: “os donos do mundo piraram”, ignoram a realidade e a ciência, deixam a humanidade entregue à sua própria sorte ou morte. Com as lentes viradas para a economia, fazem acordos para aumentar ainda mais a concentração de riqueza e conseqüentemente, a ampliação da pobreza e põem em movimento suas ferramentas de produção do holocausto ambiental.
Analisando esse contexto, não é necessário muito esforço para se perceber o abismo que há entre as prioridades apontadas pela população mundial e as prioridades eleitas pelas lideranças políticas e econômicas mundiais. Enquanto a maioria da humanidade toma consciência de que é preciso rever a forma de governança do planeta terra, a partir de um compromisso comum entre os governos mundiais, do outro lado, a pauta ambiental é minimizada e desconsiderados os diversos estudos realizados por cientistas em todo o mundo. Como exemplo, podemos citar o acordo de Paris (2015) que, salvo raríssimas exceções, não passou de mera formalidade, até mesmo para os países signatários.
Em 2018 foi feito estudo por uma equipe internacional de pesquisadores, com a participação de cientistas do Instituto de Física (IF) da USP e da Universidade Federal do Estado de São Paulo (Unifesp), que calculou a força radiativa do desmatamento, levando em conta a emissão de CO2, o metano e o carbono na forma de material particulado, a fração da radiação refletida de volta ao espaço e todos os efeitos radiativos conhecidos. O resultado final dessa pesquisa apontou que a temperatura iria subir mais do que o previsto anteriormente. Portanto, preservação das florestas que cumpriria importante papel na regulação do clima, seria a estratégia mais importante para evitar o aquecimento global.
Seis anos depois da realização do estudo, as evidências comprovam que a emergência climática foi prevista e poderia ser evitada. Mas, o que fizeram “os donos do mundo”? Para que serviu o estudo? No Brasil, há um tempo atrás usava-se o slogan “conhecer para preservar”, como forma de chamar atenção para a necessidade de produção de conhecimento sobre os biomas a fim de se pudesse preservá-los. Se isso foi levado a sério por uma parcela significativa da sociedade, para a “minoria maiorizada”, (a elite agrária nacional e o empresariado e corporações mundiais), o conhecimento produzido pelos cientistas foi interpretado ao contrário.
Basta pegarmos os dados do Centro Nacional de Monitoramento e Alerta a Desastres Naturais(CEMADEN), divulgados no início de janeiro deste ano (2025), para comprovarmos a veracidade dessa tese. De acordo com este órgão, o número de alertas de desastres naturais, como enxurradas e deslizamento de terra registrados em 2024 foram de 3.620 alertas, o maior número registrado desde o início de monitoramento do fenômeno (2011).
Dos 10 municípios que lideram os rankings de alerta e desastres naturais, 8 estão localizados na Mata Atlântica, que é o bioma que abriga a maioria da população brasileira. Ou seja, o bioma de maior preferência do povo brasileiro é também o mais destruído do Brasil. Segundo o MapBiomas, apenas no primeiro semestre de 2024, a Mata Atlântica perdeu uma área de floresta equivalente a 20 mil campos de futebol. Isso explica a catástrofe que acomete sobretudo, os mais pobres.
Se a Mata Atlântica recebe historicamente esse tratamento, com os demais biomas não é diferente. O Cerrado, por exemplo, conforme o Relatório Anual do Desmatamento (RAD), do MapBiomas, perdeu 1.110.326 hectares de vegetação nativa em 2023, sendo o bioma mais desmatado deste ano (2023). A área desmatada é do tamanho de dois Distritos Federais, ou seja, duas vezes o tamanho de Brasília.
O Cerrado é conhecido como a "caixa d'água do Brasil" porque abriga as nascentes das três maiores bacias hidrográficas da América do Sul, é também conhecido como savana brasileira, a mais biodiversa do mundo, abrigando centenas de milhares de espécies de plantas, mamíferos, aves, répteis, anfíbios e peixes. Porém, no entendimento dos agronegociantes, substituir grande parte dessa imensa riqueza por cultivares, como a soja, para alimentar porcos na China, é financeiramente mais importante.
Vejamos o que acontece com a Amazônia, que abriga a maior floresta tropical e a maior biodiversidade do planeta (30%, segundo União Internacional para a conservação da Natureza (IUCN, na sigla em inglês). É o bioma que sofre ininterruptamente, desde a colonização, um processo violento de degradação e saque, que vão da teoria à prática. Para se ter idéia da gravidade, lembremos do discurso proferido pelo presidente Getúlio Vargas em Manaus (1940), (em meio ao clima nacionalista e o cenário de guerra mundial,) no qual apresentou a floresta como inimigo a ser vencido. A impressão que se tem é que tais palavras ecoam até hoje nos ouvidos do empresariado alimentando cada vez mais a cobiça, o apetite insaciável e o espírito de destruição.
Para a elite agrária, não importa se Amazônia abriga a maior floresta tropical do mundo, o maior complexo fluvial do planeta, o maior curso de água doce, o maior aqüífero subterrâneo do planeta, contendo mais de 162 mil Km³, nem se lança diariamente grandes quantidades de vapor d’água na atmosfera exercendo papel preponderante na regulação do clima, que é fundamental para a segurança hídrica do Brasil e de outros países da América do Sul.
Interpretada como inimiga e/ou como infinita, a Amazônia segue sendo tratada como um lucrativo meio de produção e como tal, ela precisa continuar sendo desmatada, esse é o entendimento. Entre 2001 e 2020, a Amazônia perdeu mais de 54,2 milhões de hectares de floresta, área equivalente ao tamanho da França. O que é ainda mais grave, é que segundo estudo feito em 2023 pela Rede Amazônica de Informação Socioambiental Georreferenciada (RAISG), a Amazônia poderá perder, em apenas cinco anos, quase metade do que perdeu nas últimas duas décadas. Pelo movimento das metas na perspectiva do Acordo de Paris e as expectativas para com a COP 30, há grande possibilidade dessa previsão se concretizar.
A caatinga é um outro bioma sob o ataque da ganância capitalista. É um território também em disputa entre os trabalhadores e trabalhadoras e os grandes projetos do agro, hidro, minerionegócio e mais recentemente, dos parques eólicos e solares.
Nesse bioma, é bem provável que resida o maior perigo devido à sua especificidade: É exclusivo do Nordeste brasileiro, único no mundo e também um dos mais vulneráveis às mudanças climáticas. Entretanto, ao mesmo tempo em que é sensível, é também, segundo o Observatório Nacional da Caatinga, o bioma brasileiro que tem o melhor desempenho no sequestro de carbono. A cada 100 toneladas de CO² absorvidas por essa floresta do Semiárido Brasileiro, ela consegue impedir que entre 45% e 60% dessa quantidade retorne para a atmosfera. Para surpresa geral, a Caatinga supera a Amazônia (que tem saldo de absorção 2% e 11%) e o Cerrado (23%) no processo de captura e retenção de carbono, ou seja, o nosso bioma é um sumidouro de carbono e representa, segundo os pesquisadores, uma das soluções para o problema das mudanças climáticas.
Porém, a eficiência e especificidade da caatinga, na captura e retenção de carbono em meio a uma emergência climática, não são suficientes para impedir o seu desmatamento. Para Washington Rocha, coordenador do mapeamento MapBiomas Caatinga, o desmatamento, a partir 2021, está relacionado à supressão da vegetação da caatinga para instalação de atividades agropecuárias, no oeste da Bahia, MATOPIBA, ao longo do Vale do São Francisco e abrangendo também o interior de Pernambuco, do Piauí e do Ceará. O mesmo destaca também, o desmatamento para implantação de parque eólicos e fazendas de geração de energia solar.
Este último, está sendo o pesadelo vivenciado pelo Território de Irecê, a partir do início do licenciamento concedido pelo INEMA à empresa Statkraft para desmatar, em Ubaí e Ibipeba, uma das últimas reservas de floresta de caatinga originárias. A floresta tem papel fundamental na regulação do clima na região, na recarga de importantes microbacias Rio são Francisco e no abrigo de diversas espécies de animais, certamente é a área de maior captura de carbono no território. Entretanto, está sendo destruída para em seu lugar, serem instaladas placas de energia solar que contribuirão para aumentar a fuga de carbono e consequentemente, as ondas de calor.
No contexto panorâmico ambiental do Brasil, em que todos os biomas encontram-se sob ataque, precisamos ter clareza que o peso da conta do desmatamento, que já começou a chegar tende a ficar muito maior. Isso nos leva a refletir sobre o futuro, enquanto humanidade. A capacidade de união das forças pode ser a melhor alternativa para disputa pela superação da crise climática.
Profa. Edileuza Alves Silva: Mestra em Educação do Campo (UFRB) e ativista ambiental