Por Antônio Régie Figueiredo
Desde muito muito cedo, sempre tive uma ligação profunda com os mais velhos. Cresci ouvindo histórias nas calçadas, nas feiras, nas cozinhas de chão batido. Era ali, na sabedoria do tempo, que a verdadeira história da nossa gente ganhava voz. Sempre acreditei que a oralidade é um livro vivo, e por isso, tenho buscado registrar e valorizar essas memórias antes que o tempo as leve.
Foi com esse sentimento que fiz uma visita recente a escritora Damarisse Machado, filha do saudoso Pedro de Guido e da saudosa Maria Aureliana da Rocha. Ela me mostrou cada detalhe da casa onde vive, um verdadeiro tesouro da história de São Gabriel.
O casarão construído pelo saudoso Pedro Gregório de Miranda, conhecido por todos como Pedro de Guido, é uma relíquia da arquitetura sertaneja. Feita de pedra, imponente e ao mesmo tempo acolhedor, o casarão se mantém de pé desde os meados do século passado. Não é exagero dizer que a casa é admirada até fora da Bahia. Quem vê de perto, entende o porquê: ali se sente a presença dos que vieram antes, das mãos calejadas que ergueram cada parede.
(Registro de um jornal da época destacando o casarão de pedra, simbolo histórico de São Gabriel).
Me lembro de uma pesquisa oral que fiz com o próprio Pedro de Guido, ele me contou detalhes da construção. As pedras foram trazidas do povoado de Lagoa Nova, com muito esforço e planejamento. As telhas antigas vieram da olaria de João Viola (in memoriam) que moldava o barro com a precisão de quem conhece os ritmos da terra. Já as portas e janelas, que resistem firmes até hoje às chuvas e ao sol quente do sertão, foram obra do saudoso Pedro Sabino que, curioso detalhe, também fazia caixões. Um homem de muitos ofícios e mãos firmes. O pedreiro responsável pela construção da casa foi José Lima (in memoriam), nome que merece ser lembrado com respeito.
(Pedro de Guido, idealizador e primeiro dono do casarão de pedra, marco da memória e história gabrielense)
Pedro de Guido era filho de Gregório Olímpio de Miranda e de Bela, filha de Joaquim Pinto. Gerações e mais gerações que ajudaram a construir, não só casas, mas toda uma identidade cultural que não pode ser esquecida.
(Gregório Olímpio de Miranda e Dona Bela, pai e mãe de Pedro de Guido)
Ainda existem muitos casarões antigos que guardam as vozes e os passos dos nossos ancestrais. São pedaços da nossa alma espalhados pelas ruas, clamando por cuidado. O casarão de Pedro de Guido é mais que um bem particular, é uma referência para todo o povo gabrielense. É, sem dúvida, um cartão-postal da cidade.
Preservar o patrimônio histórico é garantir que nossa memória não desapareça com o tempo. É assegurar que as futuras gerações conheçam seus ancestrais, seus modos de viver, seus saberes. Que saibam, por exemplo, de onde vieram aquelas pedras, aquelas telhas, e quem foram os homens e mulheres que ergueram tudo isso com as próprias mãos.
A memória é um bem coletivo. E o que é coletivo deve ser cuidado com carinho, com respeito, com compromisso. O tempo passa, é verdade. Mas se a gente fizer a nossa parte, a história continua. Firme como uma casa de pedra.
Antônio Régie Figueiredo: Prof. Língua Portuguesa, Escritor e Pesquisador de Culturas Populares