Rede Notícias
Educação

As IAs, as famílias e a Educação: conexões?

Mas quem é a IA? Ou quem são as IAs? Surgiram do nada? Quem foi que as produziu? Quem as opera? Como conseguem emitir tanta informação sobre os conhecimentos produzidos?
Fonte: Prof. Dr. Eliseu Couto      30/10/2025

Por Dr. Eliseu Couto

Certo dia, visitando o Museu de Hidrolândia, numa vila pequena no interior da Bahia, que leva o mesmo nome do museu, fiquei a ouvir uma aula de evolução tecnológica a partir dos ferros de gomar roupas que eram abastecidos por brasas. Olhando para os ferros, pareciam todos iguais. Ferros rústicos, simplesmente. Mas o professor nos explicou: os primeiros eram formados de uma base de ferro maciço que dependia do aquecimento externo das brasas. Depois eles foram vazados e o aquecimento partia do seu interior. Foi acrescentado também um orifício pequeno para que a dona de casa pudesse soprar as brasas e o ferro de gomar continuasse aquecido. Enfim... daí sugiram outros modelos, usando água quente, gás ou álcool para o aquecimento, e, mais recentemente, o ferro elétrico e a vapor. Foi um processo. Muita pesquisa, observação, experimentação e estudo para que essa tecnologia fosse sendo melhorada, aperfeiçoada.

O processo educacional também não é diferente quanto à evolução. Tanto no que se refere ao epistemológico, quanto ao estrutural. Mas uma coisa é certa: o humano sempre foi e será humano. Nada ainda substituiu o humano e sua voz na construção e reconstrução dos saberes que arrodeiam o mundo. No princípio já se fazia a voz, as oralidades de pai para filhos. A família se reunia perante a mesa, ao redor das fogueiras, na calçada de casa... para produzir a grafia da voz. Os nossos ancestrais emitiam a voz como textos produzidos ao sabor de saberes experienciais. Os mais novos, sempre na condição de proto ouvintes, reescreviam esses textos toda vez que emprestavam seus ouvidos atentos em escuta para que a escrita da voz se tornasse fidedigna e reescrita pelas próximas gerações.

Desde a antiguidade, Deus, como inteligência suprema, chamou Moises, humano, para escrever e dialogar com o povo os saberes necessários para a convivência no deserto. Quando a mesa e as cadeiras da sala de casa estavam como instrumentos, lá estava o humano intermediando diálogos; quando a árvore se fez como sala de aula, lá estava o humano como intermediador. Do deserto, passando pela árvore como sala em campo aberto, até as salas que temos hoje, há uma evolução tecnológica e preexiste o humano como produtor, operador e mediador de todo o processo.

Mais recentemente, com o fenômeno das IAs, temos visto muitos profissionais se posicionarem de forma radical, achando que esses aplicativos e plataformas vieram para desestruturar as bases dos saberes tradicionais. Produz, talvez, em outros, até um sentimento de desonestidade intelectual ao emitir comandos para algumas plataformas e elas gerarem em questão de segundos, conteúdos e informações que o profissional passaria horas para produzir. Outros ainda, ficam bastante tranquilos, tomando um cafezinho indicado pela própria IA, enquanto ela “prepara” o conteúdo desejado. 

Mas quem é a IA? Ou quem são as IAs? Surgiram do nada? Quem foi que as produziu? Quem as opera? Como conseguem emitir tanta informação sobre os conhecimentos produzidos? Todo esse grande banco de dados nada mais é do que a nossa produção pescada pela grande rede. Desde as vozes ancestrais que ecoaram em uma época ágrafa, até a produção mais sistematizada da escrita e das semioses.

Colocando assim, como nosso, até nos sentimos mais confortáveis por sabermos que temos uma parcela de contribuição nessa grande babel contemporânea e globalizada. Também podemos tomar como metáfora, a teoria do eterno retorno para dizer que em certo momento algumas coisas caem no “esquecimento”, sendo ressignificadas e reproduzidas em contextos e épocas diferentes, em diferentes ciclos, gerando assim um novo produto autoral, aproximado das realidades locais.

Em todas as épocas, circunstâncias e momentos, existe um humano preparado, capacitado, especializado e autorizado para lidar com outros humanos, com as máquinas, com os dados, etc. A questão central é: diante do mar de conhecimentos gerados pela humanidade e reunidos na grande teia, temos tido sabedoria para o/no processo de sistematização? Por um lado, possa ser que tenhamos, ainda, profissionais inseguros e duvidosos quanto à utilização das IAs nesses dias de cliques apressados. Por outro lado, temos alunos imaturos que ao acharem “conteúdos prontos” não se dão o trabalho da leitura, do aprendizado, da orientação e da escuta. 

E a Educação? Tem avançado epistemológica e estruturalmente para a efetivação curricular desse debate no chão da sala de aula? É urgente uma Educação para a rede, partindo das mesas de cada casa e chegando às cadeiras das salas de aulas.

Dr. Eliseu Couto: Doutor em Educação e Diversidade pela Universidade Federal da Bahia (UFBA)

Receba as notícias em primeira mão no WhatsApp!