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História da educação: a cartilha não era somente um livro

E você? Como cantou sua Cartilha?
Fonte: Prof. Dr. Eliseu Couto      18/08/2025

Por Dr. Eliseu Couto

Na Cartilha ainda enfileiramos. Mas já estávamos em um colégio de verdade, com salas de aula e com carteiras duplas. Meu caminho ficou mais leve e comecei a sentar lado a lado com um coleguinha, dividindo uma carteira. Passou-se, então, a era do tamborete.

Do ABC se passava para a cartilha. Não um livro, mas uma série, uma etapa, um grau a mais. Para passar era preciso saber soletrar bem. Saber com o sabor do desejo de ir para a próxima série. Já se sabia, pela Vila, até quem era o professor dessa etapa. Ele já era anunciado antes, pois só havia um. Para muitos, um bom professor. Para outros, o temido, o bruto, rígido e disciplinado(r).

Eu não tinha nenhum medo dessa cartilha soletrada antes da reunião dos bê a bás. Ou dessa cartilha cantada antes mesmo da junção dos principais componentes da orquestra educacional.

O ano devia ser 88. Entre um Pé de Serra e o alto de João Trovão, enfileiravam meninos e meninas em frente ao CÊRA. E ali fazíamos cera alguns minutos em posição de sentido. O diretor dava o comando: COBRIR!! SENTIDO!! Isso se repetia algumas vezes. Depois cantávamos o hino nacional e, em dias especiais, mais uns três hinos. Fizesse sol ou vento, o ritual era repetido todos os dias da semana. De segunda a sexta.

Nessa época os dias letivos ainda não haviam sofrido o massacre do tempo curricular. Tínhamos tempo... Os sábados gozavam de sua autonomia de ser sábado sem ser letivo. Os professores dessa época também nem sabiam o que era isso. Mas como professores demoram pra se aposentar, depois todos ficaram sabendo e experimentando o gosto de um sábado letivo. Eu era ainda um simples COBRIR!! SENTIDO!! Mas hoje, retroativamente, invejo os sábados antes de terem sofrido os efeitos curriculares contemporâneos.

E entrávamos enfileirados. Só se desfaziam as filas quando cada par se sentava em sua carteira dupla. E seguimos as lições de segunda a sexta. De segunda a sexta também eram certas as pedaladas entre os caminhos da Baixinha e os caminhos da escola.

Na sala da cartilha o silêncio tinha que reinar entre os alunos. Me lembro de um dia em que recebemos o comando de silêncio desde a entrada na sala até o recreio. Quem soltasse um pio, ficaria sem intervalo. Aos desobedientes, foi posta a seguinte lição no quadro verde: “devo amar o professor e respeitar os meus colegas”. O castigo era escrever a sentença repetidas vezes até encher uma folha inteira do caderno que levávamos na sacola.

A Cartilha era uma fase de transição desafiadora para se alcançar a Primeira Série. Quem não rezasse a cartilha direitinho, permaneceria enfileirado entre o COBRIR e o SENTIDO. Na fila dos (re)provados...

E você? Como cantou sua Cartilha?

Dr. Eliseu Couto: Doutor em Educação e Diversidade pela Universidade Federal da Bahia (UFBA)

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