Rede Notícias
Artigo de opinião

Quem vive a cultura não vive da cultura; mas quem vive da cultura, vive a cultura?

Cultura não é moeda de troca, nem trampolim político. Cultura é direito, é voz, é memória viva
Fonte: Prof. Antônio Regie Evaristo de Figueiredo      14/04/2025

Por Antônio Régie Figueiredo

A gente vive um tempo estranho. A cultura, que deveria ser o coração pulsante dos povos, virou negócio — e, pior, um negócio lucrativo só pra alguns poucos. Nos bastidores de muitos eventos culturais, uma frase se repete e dói porque é real: quem vive a cultura, quase nunca vive da cultura; e quem vive da cultura, muitas vezes, não vive a cultura de verdade.

Essa contradição grita. Os verdadeiros fazedores de cultura — artistas, mestres populares, poetas, músicos, dançarinos, artesãos — continuam sendo deixados de lado. Falta apoio, faltam políticas públicas de verdade, faltam oportunidades. E mesmo assim, com o pouco que têm, seguem mantendo viva a chama da cultura nos bairros, nas roças, nos terreiros, nas praças. Fazem isso com o corpo, com a alma, com o que têm à mão — mesmo quando tudo falta.

Enquanto isso, cresce o número dos que vivem da cultura, mas sem nenhum afeto por ela. São gestores, atravessadores de editais, representantes de entidades que falam bonito, mas, no fundo, tão mais preocupados com prestígio e influência do que com arte. Usam os artistas como vitrine, como escada, como discurso. Apropriam-se das pautas e dos recursos, sem nunca ter sentido o chão quente de um palco improvisado ou o cansaço bom de um ensaio coletivo.

Essa lógica precisa mudar. Cultura não é moeda de troca, nem trampolim político. Cultura é direito, é voz, é memória viva. É o que dá sentido ao pertencimento de um povo. Quem coloca a mão na massa, quem pinta, canta, dança, borda, encena — precisa ser ouvido, valorizado, respeitado. E pago com dignidade.

Enquanto a cultura for tratada como vitrine para quem nunca suou numa roda de capoeira, nunca sentiu o cheiro da tinta num ateliê, ou nunca viveu a emoção de ver um poema seu sendo aplaudido por gente simples, seguiremos alimentando um abismo cruel entre quem faz e quem apenas lucra.

Já passou da hora da cultura voltar pra quem nunca deixou de segurá-la nas mãos: os artistas e o povo.

Antônio Régie Figueiredo: Prof. Língua Portuguesa, Escritor e Pesquisador de Culturas Populares

Receba as notícias em primeira mão no WhatsApp!